por Atilano Muradas
Lembro-me, como se fosse hoje, das “peladas” de criança nos campinhos de terra, na escola e na rua, em frente a minha casa. Para um menino brasileiro, essas peladas representam a felicidade infantil. O céu na terra! Nesses jogos, sempre existiam os “fominhas” – aqueles meninos que pegam a bola e não soltam mais. Eles queriam driblar o time todo e marcar o gol sozinhos. Ninguém gostava deles, porém eram necessários, pois davam garra ao time. Os fominhas brigavam por qualquer lance, alcançavam bolas praticamente perdidas e marcavam gols improváveis. Incrível! Todos admiravam-se; até o adversário, às vezes. O fominha era chato, mas resolvia, e seu time quase sempre vencia.
Pois é, o tempo passou, crescemos e, hoje, temos de enfrentar jogos menos divertidos, porém, igualmente duros. O jogo da vida se pode traduzir em conquistas: carreira profissional, dinheiro, família, criar filhos e lançá-los no próximo campeonato. Depois de muitos anos, um dia parei para analisar meus contemporâneos que venceram. Acredite, entre os que mais se deram bem na vida estavam os fominhas da minha infância. Eles impuseram à vida pessoal a mesma garra com que jogavam as peladas de criança, disputando cada lance como se fosse o último de suas vidas. A canção “Maria, Maria”, de Milton Nascimento, deve ser o hino dos fominhas: “Mas, é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre.”
Os fominhas geraram muita inveja nos companheiros e na torcida. Confesso que fui um desses invejosos, pois não entendia como podiam ser tão fominhas. Inclusive, escolhi ser goleiro justamente para não me envolver em disputas acaloradas. Por isso, sem perceber, à medida que fui crescendo, passei a agir da mesma forma na vida, na escola, em casa, na igreja, dando pouco de mim, a fim de não me envolver e não ter de me desgastar.
Todavia, na adolescência, quando decidi aprender a tocar violão e me dedicar a escrever, ler e compor músicas, percebi que me faltava a garra, o espírito do fominha. Tirei o atraso a duras penas. Criar um hábito é bem mais difícil que perdê-lo. Chegar ao fim dos estudos, entrar na faculdade, enfrentar um concurso, uma nova profissão, encarar uma família, escrever um livro, exige muita força de vontade, atitude que só um fominha possui. Foi duro alcançar os fominhas!
Depois que aprendi a lição dos fominhas e realizei muitas coisas importantes na vida, aos 40 anos de idade, pensei que já estivesse totalmente realizado. Ledo engano! Quando alguém se torna “fominha de carteirinha”, meu amigo, não tem volta, afinal, o campeonato da vida não tem fim. Não haverá o último jogo. É só semifinal com gol de ouro ou pênaltis. Morre-se em campo, jogando, batendo, levando, correndo, incansavelmente, enquanto houver fôlego, porque o mundo, sem dúvida, é dos fominhas.